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Rabino Yissachar Frand
Sobre o Autor

O nome Yissachar Frand tem se tornado sinônimo de eloquência, humor, paixão, sensibilidade e sabedoria da Torá. Suas palestras e CDs são entusiasticamente aguardados e bem-vindos em todo o mundo, de Melbourne (Austrália) a Johanesburgo (África do Sul), de São Paulo a Jerusalém, passando por incontáveis outros pontos.

Nascido em Seattle (EUA) e ensinando na Yeshivá Ner Israel, em Baltimore, EUA, o rabino Frand transmite ensinamentos incisivos e relevantes, grande sabedoria e um entendimento intuitivo e claro para analisarmos o nosso dia-a-dia e nossas aspirações pelo prisma da Torá. Todos querem viver vidas com significado e conteúdo. O rabino Frand nos inspira a nos elevarmos e nos aperfeiçoarmos como pessoas. Se ele tem sucesso? Pergunte a algum dos milhares de pessoas que comparecem às suas palestras ou que fazem de seus CDs parte indispensável de suas vidas.

Raramente uma pessoa consegue capturar a atenção de tantos tipos diferentes de audiência. Nesta tradução vocês terão a oportunidade de conhecer seu estilo, balanceando a vida moderna contemporânea com os eternos valores da Torá. Como uma sinfonia nas mãos de um virtuoso, estes temas, tão banais e ao mesmo tempo básicos em nossa complexa sociedade, tomam forma e se tornam claros através da mente e da caneta do rabino Frand.

Boa leitura!

A Companhia americana de celulares Singular recentemente conduziu uma pesquisa nacional (nos EUA) para determinar o nível de cordialidade e boas maneiras no uso do telefone celular em diversas partes do país. Eles queriam saber em quais circunstâncias as pessoas desligam seus celulares para não incomodar os outros. Simplesmente por cortesia e boa educação.

A pesquisa revelou que no sul as pessoas desligam seus celulares antes de entrar nos templos. Na costa oeste as pessoas desligam antes de entrarem nas bibliotecas. No meio-oeste, espantosamente, as pessoas são tão educadas e corteses que desligam seus celulares antes de entrarem numa loja de departamentos.

Resolvi, então, fazer a minha própria pesquisa. Fiquei curioso sobre quando, em nosso meio, as pessoas desligam seus celulares. Baseado em minha própria experiência, posso lhes dizer que não é quando comparecem a uma palestra. Também não é quando vão a um casamento. Nem mesmo a um funeral. Estive uma vez num funeral e no meio dos discursos de lamentação, com o caixão à nossa frente, o celular de uma pessoa, no máximo volume, começou a tocar a nona sinfonia de Beethoven. Bem, pode acontecer. Qualquer um pode fazer um erro. Qualquer um de nós pode esquecer-se de desligar o celular, certo? Então o que vocês acham que esta pessoa fez quando o celular tocou? Será que o seu rosto ficou vermelho como uma beterraba enquanto ele corria para desligá-lo? Antes fosse. Ele pegou o celular e começou a conversar baixinho, lá mesmo, com o caixão a apenas alguns metros e o rabino falando. Portanto, imagino que um funeral não é um dos lugares onde os nossos telefones são desligados.

Então onde desligamos os nossos telefones? Esta é a primeira questão. A questão número dois é uma pergunta que me fazem com certa freqüência: “Onde está na Torá que preciso desligar o meu celular? Onde está escrito no Shulchan Aruch (o Código de Leis Judaico)? Quem foi que disse?”

“Onde está escrito?” Eu lhes respondo: “Está escrito no Sefer Bereshit (Gênesis). Todo o Sefer Bereshit nos diz: 'Desligue o telefone celular num lugar que é impróprio, indelicado e inoportuno. Os outros não precisam ouvir o seu celular”.

Vocês então vão me perguntar: “Em Gênesis está escrito isto? Nunca vi nenhuma referência a celulares em toda a Bíblia!” Se estão agora imaginando onde está escrito sobre celulares na Torá para poder checar, estão no caminho errado. Porém, está lá!

Nossos Sábios nos ensinaram (Talmud Avodá Zará 25a) que há vários nomes para o Sefer Bereshit. Ele é chamado Sefer Hayashar, o Livro da Retidão, ou Sefer Yesharim, o Livro dos Justos, porque contém a narração das vidas de Avraham, Ytschak e Yaacov, que eram Yesharim, o exemplo máximo da retidão, honestidade, educação, gentileza e cortesia. É o que chamamos, modernamente, de 'cavalheiros'.

O Netziv de Volozhin, rabino Naftali Tzvi Yehuda Berlin (Lituânia, 1830-1892), escreveu um livro sobre Sefer Bereshit. No prefácio, ele escreveu: “A grandeza de nossos Patriarcas reside não apenas em sua maravilhosa retidão e piedade em seu relacionamento com o Todo-Poderoso, mas também em sua decência e integridade nos relacionamentos com os outros povos. Eles tratavam todos os demais povos tão honesta e corretamente, que obtiveram sua profunda admiração. O mundo inteiro os reconhecia como pessoas honradas e diziam: “Oh! Que pessoas distintas! Que pessoas direitas e honestas! Que cavalheirismo!”

Os outros povos não sabiam da observância religiosa de Avraham. Eles nunca o viram colocar Tefilin e nem rezar a prece do Shemoná Esrê. Também não checaram se cumpria todas as leis do Shabat. Todavia, sabiam como ele conversava com eles, como olhava para eles, como os tratava e como negociava com eles. E viram nele uma retidão e honradez admiráveis.

Este é um dos motivos do por quê o Sefer Bereshit é chamado de Sefer Hayashar, o Livro da Retidão. E ele veio ensinar a nós, no século XXI, a sermos yashar, a emularmos os caminhos do Todo-Poderoso, que é Justo é Íntegro, e não fazer nada que não seja correto e apropriado. Nossos antepassados eram a personificação desta yashrut, a qualidade de ser yashar.

Permitam-me dar-lhes alguns exemplos do atributo de yashrut apresentado em Gênesis:

No primeiro versículo na Torá, Rashi, o Rabino Shlomo ben Ytschak (França, 1040-1104), um dos maiores comentaristas da Torá e do Talmud, perguntou: “Por que a Torá, que é um livro de mitsvót, começa com o relato da Criação do mundo ao invés de trazer a primeira mitsvá que D'us deu ao povo Judeu? E por que relatar a Criação do mundo, se há nela tantas coisas que não somos capazes de entender e nem de imaginar? Qual o propósito de relatar algo além de nossa capacidade de compreensão?”

E respondeu que a Torá está antecipando uma situação que poderia ocorrer lá na frente, no futuro. Depois que o povo Judeu conquistasse a terra de Israel, as nações do mundo poderiam dizer: “Vocês são ladrões! Vocês pegaram a terra das sete nações canaanitas à força! Vocês roubaram a sua terra. Tenham vergonha! Devolvam o que não é de vocês!”.

A Torá sabia que isto poderia acontecer. Ela, então, imediatamente nos informa em seu início que o Todo-Poderoso criou o mundo inteiro, e que tudo é essencialmente propriedade Dele. Se Ele resolver tirar de um povo e dar a outro, Ele pode fazê-lo. O Todo-Poderoso escolheu nos dar a terra de Israel, e assim, absolutamente, não somos ladrões ou usurpadores. “Não somos ladrões!”

Entretanto, uma questão imediatamente surge: que tipo de resposta é esta para as nações do mundo? Eles nos acusam de sermos ladrões. Pegamos então a Torá e mostramos a eles uma explicação do Rashi? Imagine se o embaixador de Israel se levantasse nas Nações Unidas e defendesse o direito de Israel à terra citando o livro Bereshit. Será que todos os inimigos de Israel subitamente iriam levantar suas mãos em sinal de derrota? Será que bateriam na testa e diriam: “É lógico, é tão óbvio”?

A resposta é que Rashi não está oferecendo uma resposta para ser apresentada às nações do mundo. Não há nada que possamos dizer que vá persuadir os nossos inimigos a abandonarem seu ódio contra nós. Não, precisamos desta resposta para a nossa própria edificação. Somos um povo dócil e de coração mole, e se ouvíssemos tantas reclamações amargas sobre como 'arrancamos' a terra de seus donos originais, há a chance que poderíamos chegar a duvidar de nosso direito àquela terra. Poderíamos começar a pensar que a Torá está errada em nos dar a terra que tinha sido o lar de outras nações. Poderíamos desistir e perder a coragem e a determinação que precisamos para reivindicar a nossa legítima herança.

Portanto, desde o início, o Todo-Poderoso nos garante que tudo que a Torá faz e diz é yashar. Tudo é justo, correto e decente. As nações canaanitas não tinham direito perpétuo a esta terra. O Todo-Poderoso, que criou todo o universo e é o Mestre inequívoco, permitiu-lhes viver lá temporariamente e depois deu a terra para nós. Isto é justo. Isto é correto. Isto é certo. Isto é yashar. O que está na Torá é yashar.

O Todo-Poderoso é yashar, Sua Torá é yashar, os nossos Patriarcas eram Yesharim, e Ele quer que nós também o sejamos.


Mais um exemplo. No início da porção semanal de Noach (Noé), lemos sobre os animais reunidos na arca e encontramos algo interessante. Antes do início do Dilúvio, D'us falou para Noé trazer ao menos um casal de cada espécie de animal existente no mundo para a arca que havia construído. Os animais não casher vieram sozinhos e os casher, não. Noach teve que sair e trazê-los.

Perguntou o Ramban, Rabino Moshe ben Nachman (Espanha e Israel, 1192-1270), uma grande autoridade da Torá, do Talmud e da Cabala: “Por que foi assim? Por que Noach teve que buscar os animais casher, enquanto os não casher vieram sozinhos?” E ele nos oferece uma perspectiva muito importante: uma vez que alguns dos animais casher foram designados para serem usados como oferenda depois do Dilúvio, o Todo-Poderoso não quis colocar nestes animais um instinto que iria causar-lhes que fossem para o seu fim, para o abatedouro, por vontade própria. Não seria justo.

Os animais não casher – que não seriam usados como oferenda – vieram sozinhos porque isto era para o seu benefício, para a sua salvação. Já com os animais casher, Noach teve que ir buscá-los, pois não seria correto fazer com que instintivamente viessem para o seu fim. Não seria yashar.

Vocês acham que a ovelha ou o boi, quando estivessem sentados no altar para servirem como oferenda, iriam dizer: “D'us, isto não é justo! Por que o Senhor me fez vir?” Quem se importa com o que estes animais 'pensam' ou sentem? A resposta é: Não seria yashar. Não seria apropriado. Não é assim que o Todo-Poderoso faz as coisas.

Terceiro exemplo: vamos agora à porção semanal de Lech Lechá, onde lemos que Lot, o sobrinho de Avraham (nosso Patriarca Abraão) foi capturado numa guerra entre os reis da área onde vivia. Avraham reuniu 318 homens e foi resgatá-lo.

O Rabino Yaacov Kaminetzky (Lituânia e EUA, 1891-1986) perguntou: “Será que Avraham era obrigado pela Lei Judaica a arriscar sua vida para resgatar Lot dos seus captores? Se Avraham tivesse feito esta pergunta ao seu rabino, teria recebido a resposta para lutar ou não? A resposta é 'Não! ' Com certeza ele não tinha nenhuma obrigação de arriscar a sua vida e a dos seus homens e enfrentar aqueles reis. Lot entrou por conta própria neste problema (leia a história completa em Gênesis) e que se virasse para sair dele”.

Sendo assim, por que ele o fez? Por que arriscou a sua vida e a de seus homens para cumprir uma missão que não lhe era requerida? “A resposta”, disse Rav Yaacov, “é que isto não era um assunto de halachá (de cumprir alguma lei). Era um assunto de yashrut, de retidão, de absoluta mentschlichkeit (boas maneiras). Haran, o pai de Lot, havia acompanhado Avraham em sua jornada (da Babilônia para a Terra de Israel) e faleceu no meio da jornada. Avraham, portanto, sentia uma obrigação moral de cuidar de seu filho. Avraham agiu por yashrut”, disse Rav Yaacov. “Ele era obrigado por sua mentschlichkeit a resgatar Lot”.


Se nos aventurarmos um pouco mais à frente, no Sefer Vaikrá (Levíticus), encontraremos outro incrível Ramban. A porção semanal de Acharei Mot, apresenta uma longa lista de relacionamentos conjugais proibidos pela Torá – mães, mães adotivas, irmãs, tias, sogra. Todas estas mulheres nos são proibidas como esposas para toda a vida. Uma vez sogra, sempre sogra. Mesmo que o homem divorcie ou perca a sua esposa, sua antiga sogra permanecerá proibida para ele por toda a vida. Há apenas uma exceção. Sua cunhada, irmã da esposa, está proibida apenas durante a vida de sua esposa. Se a esposa da pessoa falecer, ele pode casar-se com sua irmã. Por que é assim?

O Ramban responde a esta pergunta com uma explicação maravilhosa. Casar com a irmã da esposa – ele escreve – realmente não é algo incestuoso. Teoricamente, um homem poderia casar com duas irmãs. Não haveria nada intrinsecamente errado nisto. Mas causaria problemas. Irmãs normalmente amam uma à outra. Este é o status natural de seu relacionamento. Mas se for permitido a ambas casarem com o mesmo homem, serem esposas de um mesmo marido, elas se tornarão rivais. A tensão e a discórdia crescerão entre elas e o relacionamento fraterno e amoroso irá sofrer. D'us não quis que isto acontecesse. Isto ofende a Sua yashrut. Portanto Ele proibiu que um homem se casasse com duas irmãs ao mesmo tempo. Mas se uma falecer, é perfeitamente correto casar-se com a outra, se desejar.

E a lista continua. A Torá está repleta de exemplos.

Em seu quinto livro, Devarim (Deuteronômio 6:18), a Torá nos ordena uma mitsvá que talvez não seja muito conhecida: “Veassita hayashar vehatov, vocês devem fazer o correto e o bem”. O Ramban escreve: “Moshe está nos ensinando em nome do Todo-Poderoso: 'Mesmo em relação àquilo que não está explícito na Torá, devemos calcular, imaginar, raciocinar, pensar, ponderar, intuir e adivinhar aquilo que sabemos que o Todo-Poderoso pensa ser hayashar vehatov'. E continua Moshe: 'Eu lhes trouxe a Torá em que está escrito 'não roubarás', 'não engane', pague o salário de seus funcionários pontualmente, as leis de empréstimos, toda uma Bíblia! ' Mas D'us está nos dizendo: “Eu não posso lhe trazer todas as situações e cenários que se desenvolverão no decurso da história da humanidade. O que fazer então? Vou lhes dar uma mitsvá que engloba muitas outras mitsvót: 'Veassita hayashar vehatov – vocês devem fazer o correto e o bem'. Estou lhes dando 613 mitsvót! Entendam e captem o quadro geral, a estrutura de Minha vontade. A idéia. E quando chegar o século XXI e surgirem situações que não estão descritas na Torá, raciocinem e calculem o que é o certo a fazer”.

Aqui a Torá está nos dando uma regra geral e é nossa responsabilidade aplicá-la criteriosamente em nossas vidas. Seja no relacionamento entre patrão e empregado, proprietário e inquilino, ou qualquer outro, o parâmetro de nossas vidas deve ser fazer o que é yashar e tov, correto e bom, agir com mentschlichkeit, boas maneiras, fazer as coisas certas sempre.

Esta mitsvá, “Veassita hayashar vehatov – vocês devem fazer o correto e o bem”, pode ser resumida em duas palavras: “Sejamos mentsh”, sejamos 'gente'!

Estes, entre outros, são os locais da Torá que nos dizem para desligarmos nossos celulares nas sinagogas, nos casamentos, nos funerais ou mesmo num restaurante. É parte de “Veassita hayashar vehatov, vocês devem fazer o correto e o bem”, pois é o certo a se fazer.

SER UM YASHAR

Seja um yashar. É isto o que a Torá quer de todos nós. Ser um yashar significa agir com integridade, fazer a coisa certa mesmo que a lei não exija isto de nós. “Veassita hayashar vehatov, vocês devem fazer o correto e o bem”.

Por exemplo: saímos à procura de um apartamento, e um corretor passa um monte de domingos nos levando de um prédio ao outro, dando de seu tempo, seu esforço e sua opinião de especialista. Então uma oferta aparece e podemos fechar o negócio sem o corretor, poupando alguns milhares de reais. E todo o esforço e o tempo dele foram em vão.

Será que está escrito no Shulchan Aruch que somos obrigados a dar alguma coisa para o corretor? Não. Mas é o certo a fazer.

Outro exemplo. Ser um yashar significa não estacionar na vaga reservada aos deficientes físicos, mesmo que não vá ser multado. “Veassita hayashar vehatov, vocês devem fazer o correto e o bem” quer dizer que no caixa do supermercado ou do banco em que está escrito 'Atendimento prioritário para idosos e gestantes' significa que o atendimento prioritário é para idosos e gestantes. Ser yashar significa não colocarmos o carrinho de compras na fila para garantir o lugar enquanto corremos de volta algumas vezes para pegar o resto das coisas da lista de compras.

Ser um yashar significa não tomar vantagem de um profissional quando você o encontra numa festa ou reunião social. Quando encontramos um médico num casamento, não nos dirijamos a ele dizendo: “Estou feliz de encontrá-lo. Veja, eu estou com uma dor aqui do lado. O senhor acha que é alguma coisa séria? O senhor poderia me prescrever um remédio?” E às vezes nem é o nosso médico! O mesmo vale para os advogados, contadores, professores, diretores. Quando encontramos um professor no supermercado, não é hora de começar uma reunião improvisada de pais e mestres. A menos, é lógico, que o professor tenha começado a conversa. Todos têm seu tempo e suas vidas particulares.

As únicas exceções a estas regras são os rabinos, pois eles não têm vida própria. Estão disponíveis vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Eles podem ser incomodados a qualquer hora. O rabino Fabian Shonfeld, conhecido rabino no Queens, Nova York, me contou de uma ligação que recebeu às três horas da madrugada. O telefone tocou. Era uma mulher de sua congregação muito atormentada.

“Rabino, eu tenho um terrível problema”, ela disse “Há um minuto atrás recebi um telefonema de Israel de que meu sogro acabou de falecer. Então eu lhe liguei imediatamente”.

“Sinto muito ouvir isto”, disse o rabino Shonfeld. “Como posso ajudá-la?”

“Eu não sei o que fazer sobre a shivá (o período de uma semana de luto após o falecimento de um parente próximo), rabino. O que o meu marido deve fazer? Sentar shivá aqui ou ir para Israel e sentar shivá lá? Ou talvez deva ir apenas para o enterro e sentar shivá aqui? Será que devemos pedir para postergar o funeral até ele chegar lá? Tenho tantas perguntas... O que meu marido deve fazer?”

O Rabino perguntou: “Bem, o que o seu marido quer fazer? Ele quer sentar shivá aqui ou lá?”

“Meu marido? Ele não sabe de nada. Ele está dormindo. São três horas da manhã!”

Uma história divertida. De qualquer maneira, ser um yashar significa também ter um pouco de consideração pelos rabinos.


Veassita hayashar vehatov – vocês devem fazer o correto e o bem” significa não buzinar numa área residencial tarde da noite. Por que as pessoas devem ser incomodadas nas suas casas somente porque não queremos sair do carro e tocar a campainha da pessoa que estamos esperando?

Ser um yashar significa chegar na hora para uma reunião. Não é correto manter as pessoas esperando por nós. O que faz o nosso tempo ser mais importante que o deles?

Significa, também, nunca parar em fila dupla, mesmo que a pessoa só tenha que correr um minutinho para pegar o seu terno na lavanderia. Por que a pessoa que está no carro estacionado deve ficar esperando enquanto o motorista sumiu de vista?

Veassita hayashar vehatov” significa estender um cumprimento cordial a cada pessoa que encontramos. O rabino Yaacov Kaminetzky, quando já idoso, costumava passar os invernos no hotel Caribbean, em Miami Beach. Muitos anos depois, quando ele já havia falecido, o rabino Tzvi Kaminetzky, seu neto, ligou para alguém de Chicago que estava hospedado neste mesmo hotel. A telefonista do hotel atendeu ao telefone e ele pediu para falar com a pessoa. A telefonista tocou no quarto, mas sem resposta.

“Posso deixar uma mensagem que eu liguei?”, ele perguntou.

“Certamente, senhor. Quem devo dizer que ligou?”

“O nome é Tzvi Kaminetzky”.

“Kaminetzky? Você é parente do rabino Kaminetzky que costumava ficar aqui muitos anos atrás?”

“Ele era o meu avô”.

“Verdade? O rabino Kaminetzky era um bom amigo meu”.

O que isto queria dizer? Rav Yaacov Kaminetzky era amigo de uma telefonista desconhecida num hotel da Flórida?

“A senhora realmente conhecia o meu avô?”, ele perguntou.

“Com certeza. Toda manhã ele costumava descer para dar um tipo de aula de Bíblia e quando passava por minha mesa, ele parava e dizia: 'Bom dia! '”.

Por que ele fazia isto? Porque além de ser um dos grandes líderes do Judaísmo nos Estados Unidos, ele era um yashar. Ele era um cavalheiro.

Este é o legado de nossos Patriarcas, que eram Yesharim.

DEMONSTRANDO RESPEITO

O Rambam, Rabino Moshe ben Maimon, também conhecido como Maimônides (Espanha e Egito, 1135-1204), escreveu em seu livro sobre as leis do Judaísmo intitulado Yad Hachazaká (Hilchot Avel 14:1): “Existe uma mitsvá ordenada por nossos Sábios de visitar os doentes, confortar um enlutado, conduzir o funeral para um falecido, ajudar a casar uma noiva e acompanhar as visitas quando estão saindo de nossas casas”. Cinco mitsvót que devemos fazer para os outros.

Se pedíssemos para as pessoas votarem: “Qual destas mitsvót vocês acham ser a mais importante?”, o que diriam? Meu palpite é que a maioria iria errar.

Escreveu o Rambam na lei seguinte (14:2): “A recompensa por acompanhar as visitas é maior que todas as demais. Este é um legado que o nosso Patriarca Avraham estabeleceu”.

Isto faz sentido? Vamos até o quarto de um hospital. Nosso amigo está lá deitado doente e pálido. Nós o visitamos e o animamos. Fazemos uma grande coisa.

Fazemos uma visita a uma casa de shivá. O enlutado acabou de perder um ente querido e se sente triste e deprimido. Dizemos palavras de consolo, que aquecem seu coração. Nós o fazemos se sentir bem. Elevamos o seu espírito. É uma coisa maravilhosa.

Fazemos os preparativos para um funeral. Coordenamos um casamento. Mitsvót gigantescas!

Mas o que estamos fazendo de especial quando acompanhamos nossas visitas ao saírem de casa? As visitas desfrutaram a comida em nossa mesa. Agora acabaram e estão indo para casa. Andamos com elas por uma curta distância para fora de casa. O que tem de tão grande nisto? Por que esta é a maior das cinco mitsvót?

Sabem por quê? Porque quando acompanhamos uma visita além da porta estamos lhe proporcionando a coisa mais importante que um ser humano necessita: respeito. Estamos lhe dando dignidade. Estamos reconhecendo que ele é alguém, que merece a nossa preocupação e solicitude. Isto é algo crítico para as pessoas. É como o ar que respiram.

Podemos sobreviver sem comida por um período. Podemos sobreviver sem água por algum tempo. Podemos andar com roupas rasgadas. Podemos agüentar tudo isto se formos tratados com respeito, como seres humanos. O Talmud nos ensina (Ketubot 11b): “É uma mitsvá maior sorrir para alguém do que lhe dar um copo de leite”. Sejamos yashar. Sejamos mentsh. Demos-lhe respeito.


Há algum tempo atrás, minha esposa e eu passamos um Shabat na cidade do México como convidados da comunidade local. A Cidade do México está a uma longa distância de Baltimore, e nos últimos anos percebi que, conforme estou ficando mais velho, o espaço no avião para as pernas está encolhendo, ficando cada vez menor. Então decidi usar 60 mil das minhas duramente conquistadas milhas para fazer um upgrade para a primeira classe. Também pedi a refeição casher da primeira classe.

Não familiarizado com os protocolos da primeira classe, fiz questão de ligar algumas vezes para perguntar sobre as refeições casher. A cada vez eu era assegurado que não precisava me preocupar. As refeições estariam lá.

O vôo se iniciou. A atendente estendeu uma toalha de linho sobre as nossas mesinhas e começou a servir as refeições normais.

“Desculpe-me, senhora, mas nós pedimos refeição casher”, eu disse.

“Ah, volto logo”.

Alguns minutos depois ela voltou.

“Sinto muito, senhor. Não há refeições casher no avião”.

“Não estou entendendo. Eu pedi especificamente comida casher. Não apenas uma ou duas vezes. Como pode ter acontecido?

“Sinto muito, senhor. Não há refeições casher neste vôo. Posso lhe servir uma salada?”

Balancei minha cabeça negativamente.

Eu falei para a atendente: “Isto não está certo. Pagamos pelos bilhetes de primeira classe, liguei varias vezes, vocês garantiram que a comida estaria nos esperando...”

Ela disse: “Sinto muito, senhor Frand. O senhor tem toda a razão, mas não há nada que eu possa fazer”.

Ok! Então ficamos com amendoim e biscoitinhos até a Cidade do México.

Num certo ponto do vôo a atendente se aproximou. “Quero desculpar-me novamente pelo descuido sobre as refeições casher e, particularmente, quero agradecer-lhe por responder como um cavalheiro e não ser abusivo. Os passageiros às vezes se tornam 'selvagens' quando as coisas dão errado. Eu lhe digo: 'Posso agüentar qualquer coisa, mas não consigo lidar com pessoas abusivas'. Então, obrigado novamente”.

As pessoas conseguem lidar com todo tipo de dificuldades, mas não com o abuso. As pessoas querem ser tratadas com respeito. O que a aeromoça estava querendo dizer é: “Posso agüentar tudo, mas trate-me como um ser humano. Posso ser uma aeromoça, e especialmente na primeira classe, onde os passageiros querem ser tratados como reis e estão preocupados se o travesseiro está bem macio. Mas sou uma pessoa”.

Este é o legado de nosso Patriarca Avraham: yashrut, cavalheirismo, respeitar a dignidade humana.

É por isto que acompanhar uma visita que está saindo é tão importante. Isto lhe demonstra respeito. Uma pessoa que é um yashar trata as outras pessoas com respeito. Uma pessoa que é um mentsh trata as outras pessoas com respeito.

ENSINE ISTO PARA OS SEUS FILHOS

A Torá nos conta que o Todo-Poderoso amava Avraham porque Ele sabia que Avraham iria criar os seus filhos e netos para seguir nos caminhos de D'us, para fazer justiça e bondade. O Todo-Poderoso escolheu Avraham não por causa de sua hospitalidade e sua coragem em sobrepujar os testes que lhe foram apresentados. O Ramban explica que Ele sabia que Avraham iria ensiná-los a serem mentsh, a serem yesharim, a fazerem o que o Todo-Poderoso considera correto e adequado.

E este é um indicador claro para nós sobre o que é fundamental na criação de nossos filhos. Este é o legado que recebemos de Avraham. Devemos ensinar às crianças o que é certo e o que é errado. Devemos ensiná-las a serem mentsh. Esta é a nossa tarefa sagrada. Antes de qualquer outra coisa, que as crianças sejam gente, sejam mentsh.

Porém, só há um caminho para conseguirmos isto. Podemos ficar falando e bronqueando com elas o tempo todo, mas o único jeito de se ensinar yashrut é ser yashar. Nossos filhos têm que ouvir de nós um mantra, algo que é repetido, repetido e repetido novamente. O mantra é: “Isto está certo? É yashar? É correto?” E se ouvirem este refrão e virem como agimos e nos comportamos com os vizinhos, empregados, funcionários do supermercado, atendentes de lojas, ao devolver coisas, ao comprar coisas, “Isto está certo? É correto?”, então a coisa pode se tornar realidade.


Nos últimos anos houve grandes avanços na observância religiosa em nossa comunidade. Instilaram-se bons valores que há alguns anos nem se ouvia falar. Quando crescemos, na década de 70 ou 80, quem ouvia falar sobre Lashon Hará (conversas de teor negativo, fofocas, calúnias)? É lógico que havia Lashon Hará, mas hoje as pessoas são minuciosas em se cuidar de não falar Lashon Hará. É verdade, às vezes escorregamos, mas pelo menos nos sentimos mal por falar negativamente de alguém. Elevou-se a consciência de toda uma geração através da educação.

E podemos fazer o mesmo com yashrut, repetindo este mantra e agindo de acordo.

Hoje, muitas pessoas comem apenas produtos feitos com farinha de trigo yashan (cujos grãos enraizaram na terra antes de Pessach). Quando crianças de sete anos vão a um Kidush ou na casa de alguma pessoa, e lhes oferecem bolo ou biscoitos, elas perguntam: “Isto é yashan?” Muito bonito. Mas não é de menor importância que treinemos as crianças para que, quando a situação surgir, perguntem: “Isto é yashar? Isto é algo decente de se fazer?”

E só se consegue isto agindo desta maneira. Quando surgir a ocasião, fale para a criança: “Pode ser permitido, mas não é correto”.

O Rabino Mordechai Gifter (Ohio, EUA, 1915-2001), um dos mais importantes rabinos de sua geração, certa vez veio ao bar mitsvá de um neto, em Baltimore. Era a semana da porção da Torá chamada Noach – que relata a história de Noé, a arca que construiu e o Dilúvio. Sexta-feira à noite ele fez um discurso em homenagem ao bar mitsvá e esta foi a mensagem ao seu neto:

“A Torá diz: 'Eile toldot Noach. Noach ish tzadik tamim haia bedorotav – Estas são as gerações de Noach (Noé). Noach era um ish tzadik, uma pessoa íntegra e sem falhas, em sua geração'. Por que a Torá usou a expressão ish tzadik? Por que não usou apenas a palavra tzadik, íntegro? Sabem por quê? Porque a Torá está nos ensinando que primeiro é necessário ser um ish, ser gente. Primeiro precisa ser um mentsh, ser um yashar”.

Esta foi a mensagem de Rav Gifter para o seu neto. Isto é o que as crianças têm que ouvir de nós. Ser um mentsh. Fazer a coisa certa. Ser uma pessoa de integridade. Se esta atitude permear os nossos lares, as crianças a assimilarão.

E tudo depende de nós. A maneira que somos, é assim que nossos filhos serão. O Rabino Yaacov Kaminetzky certa vez disse que a palavra hebraica hashpaá, influência, vem da palavra shipua, inclinação. Somos como um telhado inclinado. Tudo o que fazemos 'escorrega' sobre as crianças. Se nos dedicarmos a focar em mentschlichkeit, boas maneiras, nossas crianças crescerão como mentsh por si só.


Permitam-me concluir com uma história que ilustra bem este ponto. Estive recentemente num Brit Milá aqui em Baltimore. Estávamos sentados ao redor de uma mesa, comendo nossos beigales com salmão, e alguém falou: “Rabino Frand, quer ouvir uma história?” Eu respondi: “Lógico, conte-me”.

Ele me contou uma história que aconteceu na Yeshivá Chafetz Chaim Talmudical Academy, em Baltimore, Maryland. Vou mudar os nomes para proteger sua privacidade. Vamos chamá-los de família Goldberg.

Na Yeshivá há um programa no último ano do colegial que dá a cada rapaz a oportunidade dizer sua própria haburá, preparar um discurso original sobre tudo o que estudou no Talmud e apresentá-lo para toda a classe. É um evento muito importante e empolgante, e o professor sugere ao pai de cada garoto vir, sentar-se, ouvir e orgulhar-se quando seu filho apresentar esta haburá.

Um dos garotos chamava-se Chaim Goldberg e era filho de um dos rebes (professores) da Yeshivá. Quando chegou o dia de Chaim dizer sua haburá, seu professor lhe disse: “Chaim, é sua vez de falar daqui a alguns minutos. Vá dizer ao seu pai que é hora de vir”. Chaim fez que sim com a cabeça, murmurou alguma coisa e continuou ocupado com seus papéis. Chegou a sua vez e ele ainda não tinha ido chamar o pai. O que fazer? Não dava para manter a classe esperando. Então ele apresentou a sua haburá sem seu pai estar presente.

Depois, o rebe veio falar com ele: “Chaim, você apresentou uma haburá excelente, mas por que não chamou o seu pai? Eu lhe disse para chamá-lo. Ele teria adorado. Por que você não o chamou?”

Chaim limpou a garganta e olhou para baixo: “Rebe, o garoto que ia falar depois de mim é um órfão. Ele não tem pai. Eu não queria que ele fosse o único garoto da classe cujo pai não apareceu. Eu não queria que ele se sentisse mal. Então eu não contei para o meu pai. Preferi que ele não viesse”.

Outro homem que estava sentado ao nosso lado ouviu esta incrível história e, sem pestanejar, falou: “Sim. Não é nenhuma surpresa. O garoto é um Goldberg. Assim são os Goldberg. Assim agem o seu pai e a sua mãe”.

Chaim cresceu neste tipo de casa. Ele viu mentschlichkeit em casa todos os dias de sua vida e, portanto, tornou-se um mentsh. Ele cresceu pensando e sabendo que este é o jeito que as pessoas devem agir, este é o jeito que se espera que ajam. E sabem de uma coisa? Ele estava certo.

O único modo de se ensinar tão extraordinária sensibilidade, tanta consideração pelos demais, tanto cavalheirismo, é vivermos assim. Esta é a nossa meta, é o nosso legado. Foi por isto que D'us escolheu Avraham, para transmitir esta qualidade às futuras gerações. Era a tarefa dele e é a nossa tarefa: criar e fazer parte de uma geração de pessoas íntegras, honestas e com retidão, yesharim, e que, com a ajuda de D'us, todo o Povo de Israel possa sentir um tremendo orgulho de nós!

Ketivá Vehatimá Tová!

Que sejamos todos inscritos e carimbados no Livro da Vida!