O inverno na antiga Jafa, em Israel, às vezes é bastante frio.
A tarde começava a cair quando um homem, com seus cinquenta anos, entrou em minha galeria “Antiquarium”.
Entre os vários objetos de prata que me ofereceu, querendo saber de meu interesse em adquiri-los, havia um grande rimon, um ornamento que decora a Torá. Perguntei-lhe por que trazia apenas um, já que os rolos da Torá precisam de dois desses objetos, para adornar cada uma de suas terminações. Eles sempre vêm aos pares.
- Veja bem - disse o senhor. - Não peço muito por este objeto. Há muitos anos que o guardo, desde a minha infância. Nasci na Alemanha. Era a “Noite dos Cristais”, a fatídica Kristallnacht. Todos corremos até a sinagoga para ver se conseguíamos salvar alguma coisa. Eu era menino na época. Um homem idoso abriu a cortina do armário onde ficava a Torá e me deu esse rimon, mandando-me correr. E eu corri.
- Fui abrigado por uma família cristã que cuidou de mim - continuou contando o homem pausadamente. - Nunca mais vi meus pais nem meus parentes. Após a guerra, aquela família mudou-se para a Romênia, levando-me com eles. É de lá que venho agora. Sou recém-chegado em Israel e preciso de dinheiro. Ainda consigo me lembrar de nossa sinagoga, na Alemanha, tão linda... Você sabe, os judeus conseguiram remover e enterrar muitos objetos do culto judaico... Isso foi antes que os nazistas bombardeassem e destruíssem a nossa linda sinagoga.
Eu devia estar louco, para comprar apenas um rimon e não o par completo. Não serviria para uma sinagoga, nem para um colecionador de objetos judaicos; a compra seria pura loucura. Mas eu a fiz, sem mesmo saber o porquê.
Era um lindo rimon de prata, decorado com coroas, sinos e leões na parte superior. No restante, tinha torres de dois andares, com janelas vazadas, alternadas, e arcos com sinos. Esse rimon tinha sido feito por um mestre prateiro, na cidade de Fuerth, Alemanha, no século XVIII. Agora, era meu.
Após dar-lhe um bom polimento, coloquei-o em exposição. Os meses passavam e eu sempre trocava o rimon de lugar em minha galeria.
Os anos continuaram seu ritmo e o rimon sempre mudando de lugar. Vez por outra, algum colecionador admirava-o, interessando-se por ele. E, sempre, o interesse terminava com a mesma pergunta: “...E o seu par?”.
Certa manhã, muitos anos mais tarde, recebi uma senhora querendo vender-me objetos antigos de prata. Ela abriu a bolsa... e eu não conseguia acreditar no que via. Era o segundo rimon! Eu lhe perguntei de onde tinha vindo aquele rimon e ela contou:
- Sou uma imigrante argentina, nascida na Alemanha. Era aquele noite terrível, a Kristallnacht. Quando os nazistas começaram a destruir as sinagogas, todos corremos até a nossa, para salvar alguns objetos queridos para a comunidade. Eu também corri. Quando me aproximei da Torá, vi esse rimon no chão. Peguei-o e, ao chegar em casa, guardei-o entre minhas bonecas. Fui escondida em um convento. As freiras tomaram conta de mim. Depois da guerra, meu pai voltou e encontrou-me. Partimos para a Argentina e agora estou aqui.
- Você tem irmãos? - eu perguntei.
- Eu tinha um irmão - ela disse tristemente. - Mas pelo que sabemos, ele foi morto num campo de concentração.
- Que idade ele tinha?
- Era três anos mais velho do que eu...
Ela tinha os olhos marejados de lágrimas; e eu também. Comprei-lhe toda a prataria que trazia. Assim que ela partiu, comparei os dois rimonim. Não havia dúvidas. Os dois objetos tinham nascido juntos.
Depois de algumas semanas de buscas, encontrei o homem por intermédio da Agência Judaica e fiz a ele a mesma pergunta: “Você tinha irmãos?”
- Sim, eu tinha uma irmã - ele respondeu em tom melancólico. - Ela deve estar morta, pois nunca mais ouvi falar dela...
- Quantos anos ela tinha?
- Era três anos mais nova do que eu. Mas, por que a pergunta?
Agora eu não tinha mais dúvidas.
- Sei onde sua irmã está! - eu exclamei. - Ela está aqui em Israel! O rimon que você guardou e o rimon que ela guardou são idênticos. Você pode se reencontrar com sua irmã imediatamente!
O homem começou a tremer e suar, sem saber se chorava ou se ria.
Em poucos minutos entramos no meu carro e fomos atrás daquela senhora. Ela era realmente a sua irmã. Uma história de 44 anos se desenrolou naquela sala em poucos segundos.
São necessários dois rimonim para adornar a Torá. Eles agora estão juntos. Nada mais poderá separá-los. Eles estão em Israel; irmã e irmão, juntos, lado a lado, adornando a sua Terra - os dois rimonim da Torá.
Extraído do livro “Chicken Soup for the Jewish Soul”.
Tack Canfield, Mark Vicktor e Rabbi Dov Peretz Elkins.