Nossos sábios dizem que é imposto a cada membro do Povo de Israel dizer: “quando meus atos alcançarão os atos de meus pais, Avraham, Yitschac e Yaacov?” (Taná Devê Eliyáhu Rabá capítulo 25, 1) O significado disso é que cada um deve impor para si uma meta espiritual extremamente elevada, à qual aspirará chegar durante toda sua vida. Entende-se então que quanto mais alta for a meta, maior o sucesso que pode ser alcançado.
É importante salientar, que está acima de nossa capacidade de compreensão entender realmente o nível de nossos sagrados patriarcas, assim como o grau dos sábios do Povo de Israel em gerações posteriores. Por outro lado, é imposto a nós, conforme o pouco que conseguimos, conceituar em nosso intelecto e em nosso coração a grandeza destes e aspirar chegar a ser como eles. Isso permite à pessoa se elevar de modo constante.
De acordo com isso, tentaremos mostrar neste ensaio como todos os assuntos de Yaacov e Yossef giravam somente em torno da espiritualidade. Mesmo em situações difíceis, de perigos e preocupações graves, o que lhes interessava era a espiritualidade e o estudo da Torá. Traremos diversos exemplos do Chumash Bereshit que indicam isso, o que ajudará a conceituar esses gigantes e almejar aproximar-se de seu nível.
O Encontro de Yossef e Binyamin
Sobre o encontro de Yossef e Binyamin, está escrito em Bereshit (45:14): “(Yossef) caiu sobre o ombro (literalmente: pescoço) de Binyamin, seu irmão e chorou - e Binyamin chorou sobre seu ombro (literalmente: pescoço)”. Explica o Rashi: “Chorou pelos dois Templos que haveria no futuro na porção de Binyamin e que seriam destruídos e sobre o Santuário de Shilô, que futuramente ficaria na porção de Yossef (uma parte em Êrets Yisrael) e terminaria por ser destruído”.
O encontro entre Yossef e Binyamin, os dois filhos de Rachel, após vinte e dois anos, foi inteiramente centrado na espiritualidade. Seria natural que este fosse um episódio emocionante e humano, dedicado a assuntos como a distância, a preocupação e a alegria que ocorre em momentos como esse; mas não foi isso que aconteceu. Esses justos elevados viviam a experiência espiritual e, assim como os patriarcas, fundadores do Povo de Israel, tinham a atenção voltada ao Templo. Esta é a essência das Tribos de D’us e é isso que deve estar perante os olhos daquele que almeja a elevação espiritual.
A Santidade de Yaacov Avínu
Sobre o encontro de Yossef com seu pai consta em Bereshit (46:29): “Arriou Yossef sua carruagem e subiu de encontro a Israel, seu pai, para Goshen. Se apresentou a ele, se atirou em seu ombro (literalmente: pescoço) e chorou sobre seu ombro (literalemente: pescoço) mais”. Assinala o Rashi: “mas Yaacov não caiu sobre o ombro de Yossef e não o beijou. Disseram nossos sábios que estava recitando o Shemá”.
Muitas explicações foram trazidas pelos comentaristas para o fato de Yaacov ter escolhido recitar o Shemá no seu primeiro encontro com Yossef. O ponto comum entre elas é que ele aproveitou aquele momento singular para aclamar seu Criador como Rei e receber sobre si o jugo do Reinado dos Céus com amor. Somos incapazes de entender a grandiosidade daquele instante mas, na prática, ele foi utilizado para a aproximação em relação a D’us com todo o coração e a alma.
Aprende-se daqui que os momentos especiais devem ser aproveitados para o que é importante na vida. Em vez de subutilizá-los com o materialismo, descobrir com eles o enorme tesouro da espiritualidade. Logo, chega-se também a níveis elevados, pois tais momentos servirão como uma escada cuja base está na Terra e o cume, nos Céus.
O Encontro de Yaacov e Essav
Ao analisar o encontro de Yaacov com Essav, percebemos que a posição de Yaacov foi puramente espiritual. Traremos a seguir alguns exemplos que mostram isso. É importante ressaltar que há diversas possibilidades de explicar cada um deles, porém apresentaremos aqui seu significado simples, conforme exegetas conhecidos.
“Enviou Yaacov ‘mal’achim’ perante Essav, seu irmão” (Bereshit 32:4). A palavra ‘mal’achim’ pode ser entendida tanto como “mensageiros” como “anjos” - e nossos sábios revelam que eram anjos mesmo, não simples mensageiros.
Pessoas comuns mandariam guerreiros bem treinados, para advertir Essav que o encontro com Yaacov poderia terminar com a vitória deste último. Em vez disso, ele manda anjos, pois essa é sua linguagem e é disso que ele trata, mesmo em momentos de perigo. Estes são os verdadeiros representantes de Yaacov, cuja essência é inteiramente espiritual.
“Com Lavan morei” (ibid. 5) - “e as 613 mitsvot guardei”, conforme explicam nossos sábios. É assim que ele escolhe se apresentar a seu irmão. Estão inclusas aqui infinitas indicações e intenções ocultas, mas só nos referimos aqui ao significado simples, que também demonstra como a espiritualidade era tudo para ele.
“Voltaram os anjos a Yaacov dizendo: viemos a seu irmão Essav. Também ele vem em sua direção e quatrocentos homens estão com ele” (ibid. 7). Diz o Rashi: “você dizia que este é seu irmão, mas ele se comporta como Essav, o perverso, que continua com seu ódio. ‘E quatrocentos homens estão com ele’ - perversos como ele”. Os anjos avisam Yaacov que o encontro, que se aproxima, será perigoso espiritualmente. Trata-se de um encontro entre perversos e justos, em relação ao qual é necessário se preparar para não ser atingido.
“Temeu Yaacov muito e ficou aflito” (ibid. 8). Apesar do perigo de vida em que se encontrava, a principal preocupação dizia respeito ao risco espiritual. O corpo é apenas um receptáculo para a espiritualidade e é para ela que a maioria do esforço e do pensamento deve ser dirigida.
A Venda de Yossef
“Ouviu Reuven e o salvou-o das mãos deles, dizendo: não o matemos... (Isto disse) para livrá-lo de suas mãos e devolvê-lo a seu pai” (Bereshit 37:21-22). Sua meta, com isso, era também salvá-lo espiritualmente, para que não decaísse e trazê-lo de volta a seu Pai, Que está nos Céus.
A prova disso é o ressentimento que os irmãos tiveram de Yehudá mais tarde. “Disse Yehudá a seus irmãos: ‘Que proveito teremos matando nosso irmão e ocultando seu sangue? Vamos vendê-lo aos Yishmaelim e não feri-lo com nossas próprias mãos’” (ibid. 26-27). Os irmãos acataram seu conselho mas, após este acontecimento, fizeram-no descer de sua grandeza, conforme está escrito: “Nessa época, desceu Yehudá de seus irmãos e desviou-se até um homem de Adulam cujo nome era Chirá” (Bereshit 38:1). Explica o Rashi: “nos ensina que o fizeram descer de sua grandeza quando viram o sofrimento de seu pai. Disseram: você disse para vendê-lo. Se tivesse dito para devolvê-lo, ouviríamos a você”.
O assunto é o mesmo: na venda de Yossef para o Egito estava contido um enorme risco espiritual. Este era um país repleto de impureza e era um grande perigo morar lá, conforme realmente aconteceu com Yossef, cujo nível espiritual foi posto em perigo por diversas vezes. Por isso os irmãos criticaram Yehudá: por ter posto Yossef em tal situação.
Também neste episódio, vemos como uma das principais considerações foi a influência espiritual sobre o indivíduo.
Yaacov e Yossef
Após a venda de Yossef, consta em Bereshit (37:34): “Rasgou Yaacov suas roupas, pôs um saco em sua cintura e manteve-se em luto por muitos dias. Levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas para consolá-lo e ele recusou-se a ser confortado”. Rashi explica: “’manteve-se em luto por muitos dias’ - vinte e dois anos. ‘Ele recusou-se a ser confortado’ - uma pessoa não se conforma por alguém que está vivo e ela pensa estar morto, pois sobre o morto foi decretado que seja esquecido do coração, não sobre o vivo”.
Parece que Yaacov sentia de modo claro que Yossef estava vivo. Sobre o passuc “Reconheceu-a e disse: ‘É a túnica do meu filho, um animal selvagem o comeu, devorado foi Yossef’” (Bereshit 37:33) explica o “Targum Yonatan Ben Uziel”: “nem um animal selvagem o comeu e nem uma pessoa o matou - e sim eu vejo por Inspiração Divina que uma mulher má está para atacá-lo”. Ou seja, que ele não morreu e sim está em apuros - a prova disso é o fato de não ser esquecido do coração por tanto tempo. Se é assim, por que então Yaacov Avínu ficou enlutado de uma forma tão severa?
Além da preocupação com a vida e a integridade física de Yossef, ele também pensava em sua integridade espiritual - o que perturbou seu descanso e o entristeceu profundamente.
Aqui também se revela a enorme preocupação com a espiritualidade que tinham os patriarcas, a ponto de não conseguir voltar à vida normal por tanto tempo, pela preocupação de um de seus filhos ter se envolvido em uma situação espiritual difícil.
É possível acrescentar que nas palavras de Yossef aos seus irmãos: “Eu sou Yossef - ainda vive meu pai?” (Bereshit 45:3) a principal intenção era a vida espiritual, a elevação e a aproximação a D’us, pois o fato de Yaacov estar vivo, Yossef já o havia entendido pela história que contaram seus irmãos. Este é mais um exemplo de como, nos conceitos deles, a principal vida era a ligação a D’us, à Sua Torá e Suas mitsvot.
De acordo com essa explicação, é possível entender por que Yossef não mandou um emissário a seu pai para contar-lhe que estava vivo, mesmo após ter virado vice-rei - quando tinha o poder para isso. Yaacov sentia em seu coração que seu filho estava vivo, por não ter conseguido esquecê-lo de modo algum. Logo, Yossef não precisava lhe avisar que estava vivo. Há outras explicações conforme os comentaristas, porém só viemos esclarecer o que está ligado a nosso assunto.
Quando os irmãos voltaram do Egito, consta na Torá: “disseram a ele (a Yaacov) todas as palavras de Yossef, que este falou para eles. Viu (Yaacov) as ‘agalot’ (carroças) que Yossef mandou para transportá-lo - e reviveu o espírito de Yaacov, o pai deles” (Bereshit 45:27). Explica o Rashi: “um sinal passou para eles; o que estava estudando quando se separou dele - o assunto de ‘eglá arufá’. Por isso está escrito: as ‘agalot’ (carroças) que mandou Yossef - e não que mandou o Faraó. ‘E reviveu o espírito de Yaacov’ - penetrou nele a Presença Divina, que havia se afastado dele”.
Toda a vida deles girava em torno da espiritualidade. Seu espírito reviveu e a Presença Divina voltou a penetrar nele, após vinte e dois anos, quando Yaacov se convenceu da plenitude espiritual de Yossef. O sinal que este mandou - o assunto que estavam então estudando - mostrou a Yaacov que ele ainda mantém sua integridade. Isso tirou a preocupação de Yaacov e o fez se levantar de seu luto prolongado e profundo.
Próximo à descida ao Egito, “(Yaacov) enviou Yehudá adiante dele, para Yossef, para os preparativos (lehorot) em Goshen” (Bereshit 45:28). Diz o Rashi: “Midrash agadá: para fazer os preparativos (lehorot) - instituir uma casa de estudo, de onde sairá instrução (horaá)”. O primeiro passo em direção à descida para o Egito foi a preocupação com um lugar onde se pudesse estudar Torá e instruir a Lei judaica. Em torno da Torá era construída toda a vida dos patriarcas e das “tribos Divinas”. Sem ela, sua vida não era vida.
Essa Casa de Estudos simbolizou a diferença incomensurável que havia entre os Filhos de Israel e os habitantes do Egito, que estavam imersos nos desejos e na impureza. Ela também deu a eles a força para manter-se frente à impureza do Egito e não decair completamente na sordidez durante os longos anos de sofrimento e escravidão
O Or Hachayim Hacadosh, sobre o passuc “Disse Yisrael a Yossef: posso morrer agora, após ter visto sua face, pois você ainda vive” (Bereshit 46:30), explica que os justos sentem no semblante do próximo como está seu estado espiritual.
Conforme trouxemos anteriormente, Yaacov Avínu preocupou-se por longos anos com o fato de Yossef não conseguir superar os testes e decair espiritualmente. Agora, vendo seu semblante, e percebendo sua grandeza de espírito, justiça e cuidado extremo para não pecar, ele exclamou: “posso morrer agora, após ter visto sua face”. O patriarca Yaacov tranquilizou-se pelo fato de todos os seus filhos serem estudiosos de D’us e continuadores do Povo de Israel para as próximas gerações.
“Quando meus atos alcançarão os atos de meus pais, Avraham, Yitschac e Yaacov?” (Taná Devê Eliyáhu Rabá, capítulo 25, 1). Tentemos também nós ser como eles, seguir seu caminho e aspirar atingir sempre seu grau elevado e supremo.